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O Amor e o Poder - indutores de Mudança nas Relações

O Amor e o Poder - indutores de Mudança nas Relações

A história da humanidade é, em larga medida, uma narrativa de tensões: entre o indivíduo e o coletivo, entre o progresso e a tradição, entre o medo e a esperança., entre a ordem e o caos…Entre essas forças opostas, destaca-se uma das mais centrais e paradoxais: a oposição entre o Poder e o Amor. Tradicionalmente vistos como antagónicos — o Poder como dominação, o Amor como entrega — estes conceitos carregam em si uma tensão fecunda. No entanto, a transformação verdadeira, aquela que alcança as raízes dos sistemas e reconfigura estruturas, mudando as formas que damos como certas, exige não a negação de um em nome do outro, mas sim a sua integração.

Mudança só com Amor é inanimada e fusional - não nos Serve!

Mudança só com Poder é fragmentada e isolante - não nos Serve!

Inegável reconhecer que vivemos mudanças de uma intensidade, complexidade e velocidade atroz. Sentimo-nos ofuscados com tantas possibilidades de acontecimentos prováveis e atordoados com as possibilidades dos acontecimentos improváveis.

Nos corredores da nossa humanidade há uma luta silenciosa a ocorrer. Ela ocorre no nosso íntimo, nas nossas organizações, nos nossos países e no nosso Planeta. Silenciosa mas extremamente polarizada e extremada de acções, ou de falta delas.

Perante a imensa complexidade que nós enquanto indivíduos encerramos, vemo-nos reflectir o conflito para cada centelha de expressão de participação que temos no espaço colectivo, seja ele subjectivo (cultural), seja ele objectivo (social), mas todo ele relacional em múltiplas escalas.

Enquanto temos por um lado um impulso de nos desenvolvermos, de crescermos e de sermos independentes, autónomos e livres, - poder; temos por outro um impulso de interconectar, relacionar, comungar e curar em múltiplas expressões de intimidade - amor.

São duas dimensões que nos convocam crenças imediatas  - de um lado o Poder e do outro o Amor.

Porque achamos que sabemos o que são, ao invés de procurarmos saber como melhor as manifestar/usar.

Paul Tillich definiu o Poder como o impulso de tudo o que vive para se auto-realizar com crescente intensidade e extensividade.

E definiu o Amor como o impulso para a Unidade do que está separado.

O Poder é, antes de tudo, a capacidade de agir sobre o mundo. Max Weber definia-o como a possibilidade de impor a própria vontade mesmo contra resistências. É o instrumento que estrutura, organiza, impõe limites, estabelece ordem. O Poder, quando separado do Amor, pode tornar-se opressor: converte-se em controle, manipulação, autoritarismo e numa expressão extrema, tirania sociopática ou mesmo psicopática. Nos sistemas sociais, o Poder isolado gera instituições rígidas, políticas excludentes, e hierarquias que se alimentam da desigualdade. No entanto, não há mudança sistémica sem Poder. É ele que molda as condições materiais e simbólicas para qualquer transformação duradoura.

O Amor, por outro lado, é a energia que une, que reconhece a humanidade do outro, que cuida, escuta e acolhe. O Amor é radicalmente relacional: não impõe, propõe ou convida; não domina, oferece. Contudo, quando desligado do Poder, o Amor torna-se impotente. Sem estruturas e direcção para sustentá-lo, transforma-se em idealismo desarmado, incapaz de confrontar sistemas de exclusão e violência.

Diz o autor Adam Kahane que há uma colisão entre estas duas dimensões de impulsos. E que essa colisão no campo teórico parece fácil de resolver, mas que no campo prático não só é difícil como pode ser perigoso. Produz tensão, consternação, complexidade acrescida e conflito.

O Poder pode negar a dimensão do Amor mas não significa com isso que os problemas de separação e fragmentação se resolvam.

O Amor pode negar o Poder mas não significa com isso que os problemas de negação, opressão e abuso desapareçam.

E a questão de fundo é que esta polarização entre Poder e Amor nos bloqueia - enquanto indivíduos, enquanto casais e famílias, enquanto organizações, enquanto países, enquanto membros de uma família única interconectada que habita numa mesma casa chamada Terra.

Bloqueia-nos porque nos convencemos e nos convenceram que temos de escolher entre um ou o outro.

Os que advogam o Poder como via única vêem a dimensão do Amor como irrealista e impraticável;

Os que advogam o Amor como via única vêem a dimensão do Poder como irresponsável e opressora e por isso cancelável.

Esta visão destas dimensões da natureza humana convenientemente esquece que o Poder e o Amor têm duas facetas cada um:

O Poder pode ser generativo - quando crio, criamos “realidades” - O Poder Com… - Power With

O poder pode ser degenerativo - quando oprimo e controlo - O Poder Sobre… - Power Over

O Amor pode ser generativo - ao nos movermos em amor, com amor - inclusivo - Moving in Love

O Amor pode ser degenerativo - quando caímos por amor - exclusivo - Falling in Love

Esta dinâmica é exemplificada por Kahane na relação cultural de géneros entre Homem e Mulher:

Poder está mais ligado a uma energia masculina e é consubstanciado:

Generativamente - Quando o Homem sai de casa e vai para o trabalho para Criar algo, Construir algo;

Degenerativamente - Quando o Homem fica obcecado pela sua missão, pelo seu caminho, e com isso se desconecta/separa de colegas, amigos e família e torna-se ou um robot fraco ou um tirano;

Amor está mais ligado a uma energia feminina e é consubstanciado:

Generativamente - Quando a Mulher engravida e dá à luz - cria Vida;

Degenerativamente - quando a Mulher fica obcecada com a unidade e coesão da família, em nutri-la, que acaba por minar o Poder dos indivíduos e mais fortemente ainda, o seu próprio.

Kahane afirma que o que torna o Poder degenerativo ao invés de generativo é a Falta de Amor; 

e afirma que o que torna o Amor degenerativo ao invés de generativo é a Falta de Poder.

Esta equação está sumarizada numa frase de Martin Luther King:

“(…) Poder sem Amor é imprudente e abusivo, e Amor sem Poder é sentimental e anémico.”

É precisamente esta colisão entre Poder Imoral com Amorosidade desemPoderada que representa a grande crise dos nossos tempos! 

Resulta numa profunda crise Colectiva de intimidade! 

O Poder precisa do Amor para ser justo; o Amor precisa do Poder para ser eficaz.

Para que haja mudança sistémica — não apenas cosmética, mas de fundo — é necessário que o Poder se converta em Poder com, e não Poder sobre. Um poder que escuta, que constrói, que empodera. Por sua vez, o Amor deve assumir-se como agente político, não apenas como afeto íntimo. O Amor politizado é aquele que recusa aceitar estruturas injustas, que age para transformar o mundo em nome da dignidade comum.

Usamos recorrentemente a frase “Somos Um” mas comportamos-nos promovendo mais e mais julgamento e separação.

Estamos muito mais intencionados em controlar o Mundo, o que em si é uma vincada expressão de Poder Degenerativo, do que estamos em compreendê-lo e com isso gerarmos pertença e cooperação honrando a diferença entre cada um. 

E mesmo quando tentamos compreendê-lo é na maioria das vezes com o forte intuito de com isso, poder melhor controlá-lo.

Precisamos de abandonar a ideia de uma via única e que a outra opção é um grande erro. 

Precisamos de abraçar as duas dimensões para resolvermos qualquer questão a qualquer nível - Poder com Amor, Amor com Poder - – Poder Amoroso e Amor Poderoso;

Para co-criarmos novas realidades sociais, temos de trabalhar com estas duas forças que se encontram em tensão e que carecem de uma reconciliação permanente e criativa.

“Criar novas realidades sociais requer um impulso Amoroso para unir e um Poderoso impulso para materializar esta união. Exercer o Poder com Amor requer efectuar a mudança sistémica sem destruir aquilo que estamos a tentar nutrir.” Adam Kahane

A oposição entre Poder e Amor não precisa ser resolvida pela supremacia de um sobre o outro. Pelo contrário, é da sua tensão que nasce a força criadora necessária para mudar sistemas, relações e indivíduos. Quando o Poder se deixa humanizar pelo Amor, e quando o Amor se arma com a lucidez e a determinação do Poder, abre-se a possibilidade de construir um mundo novo, em qualquer escala.

Poder e Amor nas Relações Humanas

A tensão entre Poder e Amor não se manifesta apenas nas estruturas sociais ou nos sistemas políticos — ela habita o coração das relações humanas. Amizades, amores, relações familiares, parcerias profissionais: todas elas se constroem no delicado equilíbrio entre o desejo de influenciar o outro (Poder) e o desejo de estar em relação com ele (Amor).

Num vínculo humano, o Poder pode aparecer de forma subtil: na capacidade de definir a narrativa, de decidir os rumos da relação, de ter a última palavra. Pode ser o saber de um sobre o outro, a dependência económica ou emocional, a diferença de idade, género ou posição social. Mesmo nas relações mais amorosas, há sempre algum tipo de assimetria. E isso não é necessariamente negativo — o problema não é a existência do Poder, mas a sua recusa a dialogar com o Amor.

O Amor, quando presente, convida à escuta, ao reconhecimento do outro como sujeito. Ele resiste à tentação de dominar, mesmo quando tem o poder para tal. O Amor diz: “mesmo que eu possa impor-me, escolho convidar-te”. Ele humaniza o exercício do Poder, tornando-o vulnerável, dialogante, cuidadoso.

Por outro lado, o Amor sem Poder pode tornar-se submisso. Nas relações em que uma pessoa ama mas não se sente com legitimidade para afirmar limites, desejos ou necessidades, o Amor pode derivar para a auto-anulação. Aqui, vemos a face invisível da violência: relações em que o silêncio e o sacrifício são confundidos com cuidado. Sem Poder, o Amor não se protege — e sem Amor, o Poder não se justifica.

A maturidade relacional talvez consista, em grande parte, na arte de reconciliar essas forças. De aprender a exercer influência sem coação, de acolher sem dissolver-se, de afirmar-se sem esmagar. Num casal, por exemplo, essa dança revela-se em pequenas decisões diárias: quem cede, quem propõe, quem escuta, quem conduz. E ao longo do tempo, a relação torna-se um espaço de co-criação, onde o Amor dá direção ao Poder, e o Poder dá forma ao Amor.

Quando aplicamos esta consciência à forma como nos relacionamos — com parceiros, filhos, amigos, colegas —, começamos a construir não só relações mais justas, mas também comunidades onde a mudança sistémica começa desde o íntimo. Porque não há transformação do mundo sem transformação das relações.

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